sábado, 29 de janeiro de 2022

1974 - ANO DOIS

 

Seguramente que, por mais eventos ilusionísticos relevantes que este ano (1974) tivesse tido, não poderia deixar de referir o 25 de Abril (Revolução dos Cravos) como o evento mais mágico do ano. Naturalmente que afectou a vida de todo o povo português. As alterações que vieram a ser introduzidas na sociedade portuguesa permitiram aos mágicos outra possibilidade de contacto com o estrangeiro, nomeadamente no que se refere à aquisição de material e livros (as explicações em videocassetes e DVD's ainda pertenciam à  ficção científica da época)

Foi precisamente, em Junho deste ano que adquiri um livrinho (Dai Vernon's Symphony of the Rings) a partir do qual aprendi a técnica de uma rotina de Argolas Chinesas que, essencialmente, é a mesma que, hoje em dia, ainda apresento. Aprender a partir da leitura de texto com apoio em fotografias é substancialmente diferente de aprender a partir de videos, mas permite obter uma manuseamento dos objectos (neste caso, das argolas) que difere dos "maneirismos" do professor ("pun intended" para mágicos).

Foi durante este ano que tive a minha primeira experiência de "mágico profissional", ao realizar actuações iguais, em dias consecutivos, para públicos diferentes e em locais tão "especiais" como um castelo ou as escadarias frontais de uma Câmara Municipal. Foi uma digressão por terras transmontanas integrado no elenco artístico da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho), organismo que viria a dar lugar ao INATEL (Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres). Era uma digressão que estava programada com a participação de JOFERK, que não a concretizou por um bom motivo: ficar "à espera da cegonha" que lhe trazia a filha Raquel.

Mesmo sendo uma digressão curta, deu para ter uma pequena ideia do grau de perfeição que um profissional pode atingir quando executa, diariamente, a mesma rotina mágica, a qual vai "polindo" com a experiência de cometer pequenos erros e de os solucionar.


Perto do final do ano o CIF organizou o 3º ENCONTRO NACIONAL DE ILUSIONISMO, o qual teve dois convidados estrangeiros de peso: JUAN TAMARIZ e EBERHARD LIEBENOW. As respectivas actuações e conferências foram muito bem recebidas e trouxeram aos mágicos portugueses muitos ensinamentos. A magia com fichas de jogo (apresentada por Liebenow) viria a ser parte integrante de muitas das minhas rotinas de close-up (nessa época eu ainda não tinha introduzido o termo Magia de Proximidade para designar o que, internacionalmente, é conhecido como Close-up Magic) e começar a perceber a teoria com que Tamariz suportava as suas apresentações foi muito importante para entender que a Magia ia muito mais além do que o truque bem executado.

Embora não viesse com o estatuto de convidado, um outro mágico espanhol de elevada qualidade acompanhou Tamariz na sua deslocação ao Porto: Juan Antón. As suas actuações de improviso fizeram as delícias de quem a elas assistiu. Antón era um comunicador nato e tinha um enorme sentido de humor e (relembro) tinha sido o parceiro de Tamariz na formação da dupla LOS MANCOS que, no Congresso FISM de 1970 (Amesterdão), havia conquistado o 2º lugar no Concurso de Micromagia. Seguidamente deixo um video em que Juan Antón executa a sua rotina pessoal de covilhetes.


Além das Notas de Conferência, Tamariz trouxe para venda dois livros de que era autor e que pertenciam à colecção "Monografias Mágicas Misdirection" publicada pela Editorial CYMYS. A qualidade mágica de tais publicações, abriu-me o apetite para outras publicações mágicas da mesma editora, pelo que, de imediato, enviei carta à Editorial CYMYS a solicitar toda a informação disponível sobre tal matéria. Na sequência de tal resposta iria adquirir (no início de 1975) vários livros dos quais destaco os dois volumes de MAGIA DE CERCA da autoria de Lewis Ganson.

No âmbito do 3ª ENCONTRO NACIONAL DE ILUSIONISMO integrei o elenco do espectáculo "Noite de Magia", realizado no Salão Nobre do Clube Fenianos Portuenses na noite de 2 de Novembro. No programa que apresentei estava incluída uma rotina de corda e argola que servia de introdução a uma rotina mágica com três argolas. No dia seguinte realizou-se um almoço informal com vários mágicos num restaurante da zona ribeirinha do Porto. Enquanto esperávamos no exterior que preparassem uma mesa apropriada para o convívio gastronómico que se ia seguir, LIEBENOW abeirou-se de mim e perguntou se lhe poderia ensinar um dos passes da minha rotina de corda e argola que vira na noite anterior. Dado que ainda tinha o material do espectáculo na mala do carro (o qual estava ali mesmo estacionado com o "ovo estrelado" à vista), imediatamente fui buscar a corda e argola necessárias para proceder a tal demonstração/ensinamento. É precisamente esse momento que a fotografia seguinte documenta e onde se pode ver que, além de LIEBENOW, também a MARGOT e o JOFERK seguem atentamente a minha explicação.

NOTAS DE RODAPÉ

Nota de sinal + : A experiência actuar todos os dias, como um profissional a tempo inteiro.
Nota de sinal + : A conferência de Juan Tamariz.

domingo, 23 de janeiro de 2022

1973 - ANO UM (Parte 2)

 


A MINHA PRIMEIRA "FIGUEIRA"

O ano de 1973 reservava ainda um evento relevante para eu vivenciar, desta vez como concorrente: o II Festival Mágico da Figueira da Foz, organizado pela "carolice empenhada" de Fausto Caniceiro da Costa. Concorri na modalidade de Magia Geral e fruto das inovações que, pouco tempo antes, vira na FISM de Paris, optei por substituir as "tradicionais" mesas de mágico por um cenário que aparentava ser um muro feito em tijolo "burro". Tal cenário foi fabricado em madeira e era dividido em três secções principais (e grandes), as quais eram unidas por intermédio de dois blocos de dimensões mais razoáveis para transporte.

Como não tinha carro nem carta de condução, "cravei" o Dr. Homero Rocha (DE ROCK) para me dar boleia para a Figueira da Foz. A viagem de ida foi efectuada de dia e o entusiasmo partilhado pela participação no Festival ocupou o nosso diálogo e fez parecer rápida uma viagem naturalmente demorada, pois a auto-estrada para aquele destino ainda não havia sido construída. O espaço entre bancos da viatura era ocupado pelas peças maiores do meu "muro", pois a mala do SIMCA 1100 não tinha bagageira com arcaboiço para as mesmas.

A presença no Festival da Figueira permitiu-me ter contacto pessoal com alguns mágicos do sul do país, os quais apenas conhecia de nome. SAIUR, JODIVIL e JÓNIO foram três deles. A minha prestação no concurso de Magia Geral foi modesta, tendo obtido o 6º lugar entre 11 concorrentes. Matematicamente falando: exactamente a meio da tabela! Nada mau para um principiante. Mas o que verdadeiramente destaco de todo o ambiente vivido nesse Festival foi a camaradagem nos bastidores e sentido de entreajuda dos diversos concorrentes.


O programa do Festival terminou no domingo (7 de Outubro) com o Espectáculo de Gala e distribuição de prémios. Claro que o 6º lugar não dava direito a prémio, mas permitiu-me obter um diploma de participação.

Uma desenvolvida reportagem sobre este Festival Mágico da Figueira da Foz foi transmitida no programa Movimento da RTP e pode ser apreciada aqui.

Terminado o espectáculo, havia que arrumar as "tralhas" no SIMCA 1100 do Dr. Homero Rocha. E com uma dificuldade acrescida: o Ivo (que algum tempo depois adoptaria o nome artístico de Fred Alan) também iria viajar connosco para o Porto... Ele e a sua bagagem, claro! O Ivo estava consciente da dificuldade que iria ter em encaixar-se, juntamente com o meu "muro", no banco de trás da viatura, mas ele era elegante e cabia, seguramente, melhor do que eu.

Convém aqui fazer uma breve referência ao facto do Dr. Homero Rocha ter alguma insuficiência visual (obviamente corrigida com óculos de elevada graduação) pelo que adoptava, na condução nocturna, (ainda) mais precaução do que na respectiva condução diurna. Quer dizer que as estradas dessa época aliadas a tal facto fizeram com que chegássemos ao Porto por volta das 7 horas da manhã (tínhamos saído entre as 2 horas e as 2 horas e meia da Figueira da Foz). Eu viajava na frente, no chamado lugar do "pendura", e cedo me apercebi do cansaço acumulado pelo nosso "motorista". Sendo assim, passei toda a viagem em permanente diálogo com ele, a fim de garantir que o mantinha bem acordado.

O Ivo, que, no arranque da viagem, participava na nossa conversa, cedo abandonou a mesma e, aconchegando-se no banco traseiro atrás do meu "muro", adormeceu, deixando-me só na importante missão de manter o Dr. Homero Rocha bem desperto. A certa altura eu reparei nesse facto e disse:

- Ó Dr. Homero, o Ivo já dorme profundamente...

De imediato, o meu interlocutor respondeu:

- Ó Jomaguy, eu até já me tinha esquecido que o Ivo viajava connosco!...

E o Ivo lá acordou... quando chegamos ao Porto e fizemos a primeira paragem para descarga de material. Foi precisamente à porta da minha residência. Começámos a descarga pelas diversas peças do meu "muro" e, a certa altura, o Ivo retirou do carro uma pequena mala e colocou-ma à porta, pensando que era minha. Imediatamente lhe disse que aquela mala não é minha, o Dr. Homero Rocha também não reconheceu a mala como sendo sua e, obviamente também não era do Ivo. Conclusão: na confusão de malas e materiais que havia nos bastidores tínhamos trazido para o Porto uma mala que não era de nenhum de nós!

Abriu-se ali mesmo a mala e, pelo respectivo conteúdo, percebeu-se, de imediato, que era o material do espectáculo do SERIP. O Dr. Homero Rocha prontificou-se a ficar com a mala e contactar o SERIP para ver a melhor maneira de lha fazer chegar às mãos. Soube depois que o SERIP andou toda a noite às voltas nos bastidores e camarins do Casino da Figueira da Foz à procura do seu material, pois ia para o estrangeiro cumprir um contrato de actuações e, sem o material, nada feito.

NOTAS DE RODAPÉ

Nota de sinal + : A FISM de Paris.
Nota de sinal + : O Festival da Figueira.
Nota de sinal - : A pouca assiduidade nas reuniões semanais do CIF. 

sábado, 22 de janeiro de 2022

1973 - ANO UM (Parte 1)

 

A MINHA PRIMEIRA FISM

O ano de 1973 ficou marcado na minha memória pela presença na FISM de Paris. Acho que muitos mágicos partilharão comigo o seguinte pensamento: a primeira FISM é inolvidável! Para mim ainda terá sido mais, pois nunca havia participado em nenhum congresso ou festival mágico.

A ida a tão importante congresso mágico foi rodeada de alguma peripécias que irei partilhar convosco. Em primeiro lugar convém notar que vivíamos num período político onde pontificava a ditadura do regime do Estado Novo. Embora Marcelo Caetano tivesse criado alguma abertura com a chamada "primavera marcelista" continuava a existir guerra colonial, para onde eram enviados os mancebos alistados no SMO (Serviço Militar Obrigatório).

Era um tempo em que muitos mancebos se escapavam ao cumprimento da prestação do SMO, emigrando "a salto" para países a Europa central, nomeadamente França. No entanto o governo permitia, a quem estivesse envolvido em estudos universitários, adiar a respectiva incorporação no SMO até concluir o respectivo curso superior, desde que tal conclusão acontecesse até o "adiado" completar uma determinada idade (creio que 25 ou 26 anos).

Nesse tempo ainda não havia UE (União Europeia), pelo que era necessário obter um passaporte para viajar. Naturalmente que era muito difícil ser atribuído um passaporte a um mancebo de 18 anos que queria viajar para França. Mas, com recurso a um compromisso pessoal do meu Pai, assegurando que eu regressaria após o Congresso FISM, lá consegui que me atribuíssem um passaporte de validade reduzida, quando o normal era uma validade de 5 anos.


Mas, mesmo após a resolução deste problema, outra situação poderia inviabilizar a minha viagem a Paris. As datas em que iria decorrer a FISM de Paris eram também datas em que decorreriam os exames universitários e uma das exigências de meu Pai relativamente às férias mágicas em Paris era a seguinte: eu não poderia prejudicar os meus estudos com tal viagem. Sendo assim aguardei a marcação de exames, sabendo que só poderia ir a Paris se o exame marcado para as datas da FISM fosse precisamente a disciplina a que havia dispensado de exame... E foi isso que aconteceu!... Claro que dei pulos de júbilo quando vi essa feliz coincidência.

A viagem para Paris foi feita de comboio e quem tratou de a organizar foi o Coimbra pois já tinha experiência de anteriores idas a Paris com grupos do Instituto Francês. Além dos quatro mágicos (DE ROCK, JOFERK, JOMAGUY e MACOS) o grupo integrou a Cristina (esposa e partenaire do JOFERK) e mais alguns amigos do Coimbra que iam passar uma semana de férias a Paris. Apesar de viajarmos nas carruagens ditas "couchettes" não deu para dormir o suficiente pois a expectativa de ir assistir a uma FISM a par do bom convívio entre todos não o permitiram. E também não deu sequer para abrir a "sebenta" para estudar para o exame que me esperava três dias após o regresso de Paris.

O programa da FISM 1973 (cuja capa está reproduzida acima) estava repleto de momentos que se revelariam inolvidáveis para um neófito em tais andanças, que nunca tinha sequer assistido a uma simples conferência mágica. E relativamente a conferências a FISM de Paris apresentou inúmeros "pesos pesados" da Arte Mágica, como por exemplo: FLIP, LIEBENOW, GEOFFREY BUCKINGHAM, NIC NIBERCO e DICK ZIMMERMANN. Em todas elas aprendi algo que me durou para a "vida mágica", mas destacaria como sendo as mais importantes para a minha aprendizagem mágica as conferências de Jean Merlin e Fred Kaps. Assistir à actuação de FRED KAPS numa das galas foi algo de muitíssimo especial e "beber" os seus ensinamentos transmitidos na conferência que proferiu foi mesmo a "cereja no topo do bolo". Ainda hoje constitui um dos meus "pequenos tesouros mágicos" as notas de conferência que adquiri e que ele, gentilmente, autografou,

A par das actuações primorosas de muitos convidados (SAMSON, SILVAN, TOPPER MARTYN, ALI BONGO, SHIMADA e OMAR PASHA foram alguns deles), tive a oportunidade de assistir às exibições de concorrentes (muitos deles de grande qualidade) com ideias e apresentações cénicas inovadoras e que rompiam com o modelo mais tradicional do estereótipo de um mágico. Direi que tais actuações como que ampliaram largamente a minha perspectiva da Arte Mágica.

Os Congressos FISM têm sempre uma componente social com um jantar de gala. Desta minha primeira FISM não esqueço a recepção que tivemos no Palácio de Versalhes com almoço na "Orangerie do Palácio", em que, ao entrar, tivemos direito a ser anunciados com o toque de trombetas à boa maneira das recepções da realeza. A comida (variadíssima) e bebida à discrição que nos esperavam constituíram um lauto banquete que proporcionou sadios momentos de descontracção e convívio.

Um dos focos de bastante interesse nos grandes Festivais e Congressos de Magia é a respectiva Feira Mágica. Naturalmente que a FISM não é excepção. Nesta minha primeira FISM, como estudante, as poupanças da minha mesada não deram para grandes flostrias. No entanto, uma das aquisições que fiz viria a ser fundamental na minha aprendizagem da manipulação de cigarros que, anos mais tarde, iria integrar uma das minhas rotinas mágicas. Refiro-me ao livro "Enciclopédie des Tours de Cigarettes" da autoria de Keith Clark.

Uma das memórias que tenho desse tempo é a da fraca participação dos associados do CIF nas respectivas reuniões semanais. Apenas os 4 elementos acima referidos que se deslocaram a Paris e o Sr. João Marques Pinto eram assíduos frequentadores das mesmas. No entanto nas primeiras reuniões agendadas pós-FISM o CIF registou uma afluência que eu, até aí, nunca tinha visto. Essa situação foi por mim caricaturada com o cartoon que seguidamente reproduzo.

NOTA FINAL: Amanhã publicarei um novo post em que partilharei outras memórias deste ano.

sábado, 15 de janeiro de 2022

1972 - ANO ZERO


O PRIMEIRO PASSO

Até 1972  apenas os familiares e amigos próximos eram os privilegiados com o desfrutar das minhas exibições, ou, dito de outra forma, apenas eles tinham que “gramar” a exibição das minhas aptidões(?) mágicas. Mas eis que surge a minha grande oportunidade: a actuação num espectáculo a valer: a Récita dos Finalistas do Liceus D. Manuel II e Carolina Michaëlis. 

Já em anos anteriores tinha havido actuações, ditas, mágicas, mas, de acordo com o que me foi transmitido nessa altura, não tinham passado de tentativas burlescas com objectivos de paródia estudantil. Tal situação jogava, duplamente, a favor da minha actuação. Por um lado os espectadores estariam à espera de mais uma paródia estudantil e seriam mais facilmente ilusionados. Por outro lado, se algo corresse desastradamente, a minha exibição seria enquadrada nos parâmetros da habitual irreverência dos estudantes e a minha carreira como mágico estaria terminada antes mesmo de começar. 

Adoptei, desde logo, como nome artístico aquele que ainda hoje utilizo: JOMAGUY. No entanto não fui suficientemente expedito a comunicá-lo à organização pelo que no programa apareceu, para minha mágoa, o nome pelo qual era conhecido no Liceu: Guimarães. 

Pelo que foi exposto quanto ao enquadramento da minha actuação é fácil concluir que, na noite de 26 de Fevereiro de 1972, quando pisei o palco do anfiteatro do Liceu D. Manuel II para actuar, estava sem ponta de nervosismo, o que, obviamente, contribuiu para uma prestação à qual foram tecidos os mais rasgados encómios... pelos amigos e familiares presentes. A foto seguinte corresponde a um dos momentos dessa actuação.

A DESCOBERTA DO MUNDO DA MAGIA

Como a Récita era conjunta com o Liceu Carolina Michaëlis, no sábado seguinte (4 de Março), repeti a actuação no ginásio/teatro daquele estabelecimento de ensino. Foi aí que conheci, pessoalmente, um ilusionista: Renato Caldevilla (RENÉ). Ele tinha sido alertado pela neta, que frequentava o Carolina, para a presença dum ilusionista no elenco do programa e foi assistir ao espectáculo. No final do mesmo procurou-me e, depois de tecer alguns elogios à minha prestação mágica, convidou-me a aparecer um dia no CIF, dando-me para tal o seu contacto telefónico. Foi ele o responsável pela transmissão ao Cardinal dos dados que proporcionaram que uma notícia a meu respeito aparecesse, em 12 de Março de 1972, na secção MAGIA do JN.

Depois dessa auspiciosa estreia interrogava-me a mim mesmo quanto ao aparecimento de novas oportunidades de exibição pública, quando fui convidado para participar num espectáculo de beneficiência a realizar no Salão Paroquial de Nossa Srª da Conceição, em 20 de Maio de 1972. Claro que, de imediato, aceitei. 

Esse espectáculo que, inicialmente, estava previsto ser integrado, apenas, por artistas amadores principiantes, acabou por registar a presença de vários artistas consagrados, entre os quais aquele ilusionista que era o meu ídolo: JOFERK. Imaginem os sentimentos contraditórios que então me invadiram: por um lado o júbilo de ir conhecer, pessoalmente, aquele mágico que considerava como modelo de referência e por outro lado o receio de ver a minha actuação menos apreciada ao estar sujeita a comparação com tão excelente ilusionista. 

Como era habitual no final de tal tipo de espectáculo houve um convívio entre os artistas intervenientes e foi aí que me apaixonei pelo... close-up. Foi decididamente um caso de amor à primeira vista fruto de uma impecável exibição informal de JOFERK, de que ainda recordo o “Chop Cup” e a “Carta Polaroid”. O que aí presenciei em cartomagia nada tinha a ver com a maioria dos truques de cartas (enfadonhos, devo referir) que, até essa altura, se haviam cruzado comigo nas minhas leituras mágicas. Também o JOFERK me convidou a aparecer no CIF, depois de passar o Verão.

Resta acrescentar que o meu primeiro encontro pessoal com JOFERK foi fruto do acaso, pois os ilusionistas previstos para tal espectáculo eram EDGAR e DE ROCK, conforme mostra o programa impresso, que o Coimbra teve a preocupação de rectificar pelo seu próprio punho.


A INTEGRAÇÃO NO UNIVERSO DO ILUSIONISMO

A partir do último trimestre de 1972, sempre que os estudos permitiam, aparecia nos Fenianos e na respectiva "filial" de Mouzinho da Silveira: A Fogueira das Meias. Comecei aí uma fase de descoberta do Ilusionismo e aprendizagem constante em que o contributo do Coimbra foi, como sempre reconheci, fundamental. E até foi ele que me proporcionou a hipótese de realizar o meu primeiro espectáculo remunerado: uma festa de Natal que ele não pode aceitar por ter outra à mesma hora.

Em Dezembro de 1972 estreou no Teatro Sá da Bandeira (Porto) um grande espectáculo mágico (intitulado FESTIVAL INTERNACIONAL DE MAGIA) cujo cabeça de cartaz era RICHIARDI Jr. (Nota: este espectáculo havia sido estreado em Lisboa, com um elenco diferente, e aqui e aqui podem ver-se duas reportagens diferentes do mesmo, com a particularidade de, numa delas, se poder apreciar uma parte da actuação do saudoso mágico português HORCAR; a imagem do programa autografado por RICHIARDI Jr. corresponde ao espectáculo de Lisboa). Foi o primeiro grande espectáculo mágico que tive oportunidade de assistir ao vivo. Fi-lo na companhia de diversos mágicos portuenses. Começou aí a minha integração na comunidade mágica portuguesa. No final do espectáculo estivemos nos bastidores com RICHIARDI Jr.. Este foi, naturalmente, um convívio breve, o qual seria complementado, dias mais tarde, com um convívio mais alargado à roda de uma mesa de um conhecido restaurante de Lavadores.

Quando acima citei o nome HORCAR, não pude deixar de me lembrar de uma coincidência entre os nossos percursos mágicos: tal como eu, também ele se apresentou pela primeira vez em público na Festa de Finalistas do 7º ano do Liceu.

NOTAS DE RODAPÉ

Nota de sinal + : O início da amizade com Fernando Coimbra "JOFERK".
Nota de sinal + : A descoberta da magia de close-up.
Nota de sinal + : O espectáculo de RICHIARDI Jr..
Nota de sinal + : O meu primeiro espectáculo remunerado.
Nota de sinal - : A existência de "ídolos com pés de barro" (Ver aqui).

POST SCRIPTUM

Após a publicação deste post detectei a ausência do nome de HORCAR no programa do espectáculo. Tal ficou a dever-se ao facto de HORCAR ter sido uma contratação de última hora para substituir um artista que não pode comparecer.


sábado, 8 de janeiro de 2022

PRÉ-HISTÓRIA MÁGICA, DESPERTAR E AUTODIDATISMO


A MINHA PRÉ-HISTÓRIA MÁGICA

Relembro a excitação que sempre me causavam, na minha infância, as idas ao circo na companhia dos meus Pais. Mais do que as actuações dos palhaços eram as prestações dos mágicos que mereciam a minha preferência. Ainda hoje retenho a imagem de um desses mágicos, vestido de branco, produzindo cigarros atrás de cigarros. Quem seria?

Mais tarde relembro um espectáculo de circo e variedades, realizado no Cine-Teatro Vale Formoso, em que o apresentador, depois de realizar a sua actuação de mágico, fez desaparecer uma garrafa de vinho e alguns chocolates numa das suas caixas mágicas, desafiando a assistência a descobrir o truque. E lá subi ao palco para descobrir a marosca e... ganhar a garrafa e os chocolates. Foi esse o meu primeiro contacto com uma caixa que, mais tarde, viria a saber denominar-se, no meio mágico, como "tip over box".

O DESPERTAR

Em 1967 o Jornal de Notícias publicou uma série (em minha opinião, curta) de 14 artigos designada «FAÇA VOCÊ TAMBÉM DE MÁGICO!», que recortei (e ainda hoje conservo), li e reli vezes sem conta, onde aprendi alguns truques, que fui praticando entre familiares e amigos, alimentando, ainda que de forma ténue, um "bichinho" que um dia iria desenvolver-se.


Em Dezembro de 1969 iniciou-se a publicação regular dominical da secção MAGIA (da autoria de Cardinal), no Jornal de Notícias, que, igualmente, recortei e li, embora ficasse, nessa altura, desiludido com a pouca profusão no que se referia a explicação de truques. Mas foi através da leitura dessa rubrica que tomei conhecimento da actividade da Academia Portuguesa de Ilusionismo (API), nessa altura já a cargo de José Carlos Martins Oliveira, pois o pai já havia falecido. Depois dos primeiros contactos escritos com a API, como resposta a um desafio publicitado nas páginas do JN (“Tabuleiro de Damas”), e dum posterior contacto telefónico desloquei-me à respectiva sede (Campo Mártires da Pátria, 27-1º) e adquiri o meu primeiro conjunto de material, pode dizer-se, profissional.

Igualmente, através da MAGIA do JN, tomei conhecimento da existência do Clube Ilusionista Fenianos, mas a ausência de um estímulo directo para o contacto a par de alguma timidez natural inibiu-me de dar o primeiro passo de aproximação. 

Antes mesmo desse contacto com a API já havia descoberto que a Livraria Bertrand tinha alguns livros de Ilusionismo à venda, cuja aquisição comecei a fazer, na medida das minhas possibilidades. Esta busca de livros de Ilusionismo levou-me ao contacto, entre outros, com os livros de Martins Oliveira (o meu primeiro livro de Ilusionismo foi MAGIA DO SÉC. XX, adquirido em 25 de Junho de 1970). O estilo desse prolífero autor, com a permanente referência a círculos restritos de amadores seleccionados, despertou em mim a vontade inequívoca de aprender sempre mais, imaginando o dia em que atingiria o grau necessário para ingressar nessa classe de elite. Nessa aprendizagem os truques de cartas eram, sistematicamente, postos de lado pois ou os achava enfadonhos pela demora da respectiva execução ou de pouca ilusão, face aos princípios matemáticos envolvidos, cuja existência me parecia de fácil detecção pelos espectadores. 

Foi, igualmente, na Livraria Bertrand que descobri os livros de magia de língua espanhola da autoria do Padre Wenceslao Ciuró. "Ilusionismo Elemental" foi o primeiro livro que adquiri deste autor e foi, provavelmente, o livro de magia que mais vezes reli nos anos que se seguiram.

AUTODIDACTISMO

Passei então por uma fase (1970/1971) de constante procura de livros e de espectáculos em que actuassem ilusionistas. Começava nessa época a ter uma certa atitude crítica em relação às actuações dos ilusionistas, ditos de circo (sem desprimor por quem quer que seja que alguma vez tenha integrado tais elencos), pois me pareciam, de uma forma geral, bastante repetitivos. Retenho, no entanto, como excepções, os casos de Conde D’Aguilar (pela sua impecável apresentação) e de D. Aguinaldo (pela surpresa e ineditismo dos seus números). 

Aos domingos de manhã, no Porto, havia um espectáculo de variedades chamado Festival que, infelizmente para o meu desejo, não era tão variado assim, pois não apresentava Ilusionismo. Mas eis que surgiu um programa similar, mas suficientemente abrangente e (porque não dizer?) inovador para o panorama artístico da época a ponto de incluir ilusionistas no respectivo elenco: foi o programa Pica-Pau. Infelizmente, para meu desencanto, durou pouco tempo esse projecto. Creio que não falhei a presença num único desses espectáculos, onde tive oportunidade de apreciar algumas actuações que me maravilharam, até porque fugiam do figurino habitual das actuações de circo. Foi, nesse programa, que adoptei o meu primeiro ídolo no âmbito do Ilusionismo. Adivinham de quem se tratava? Se responderam JOFERK, acertaram.

Para além de assistir às actuações dos ilusionistas, procurava, nessa época, descobrir como eles executavam os truques e fabricar o material necessário para os mesmos, nuns casos com sucesso, noutros, nem por isso. Por vezes, quando tal fabrico exigia aptidões de costura que, obviamente, não possuía, recorria aos serviços de uma costureira que, ocasionalmente, trabalhava lá em casa em prejuízo dos arranjos de roupa para cuja execução era contratada pela minha mãe. Ainda hoje conservo um lenço de pintas e um saco-galinha fabricados nessa época. Tal processo de aprendizagem conduziu-me, naturalmente, para efeitos de magia de palco. A magia de close-up permanecia como uma pérola por descobrir.

NOTAS DE RODAPÉ
Nota de sinal + : A descoberta dos livros do Padre Wenceslao Ciuró.
Nota de sinal - : O encerramento da Academia Portuguesa de Ilusionismo.

sábado, 1 de janeiro de 2022

À laia de intróito


Em 2022 (mais concretamente em 26 de Fevereiro) completo 50 anos sobre a data da minha primeira apresentação como ilusionista num espectáculo público. Considero, portanto, essa data como o verdadeiro início da minha carreira mágica, embora o meu interesse na Arte Mágica já tivesse começado alguns anos antes.

Designo esse período de tempo (anterior a 1972) em que mantive uma certa ligação ao Ilusionismo como sendo a minha pré-história mágica com o consequente "despertar" para a arte do maravilhoso.

Decidi comemorar estes (mais de) 50 anos de ligação à Arte Mágica com a publicação deste blogue, onde irei relembrar momentos aos quais estive directamente ligado como interveniente ou dos quais fui observador privilegiado. Será o meu modesto contributo para a história do Ilusionismo português dos últimos 50 anos.

O meu objectivo é, em cada semana, publicar um post que relembre os momentos mais marcantes vividos em cada um destes 50 anos. Cada post focará um ano específico, excepto o que englobará as memórias anteriores a 1972. Temo que, relativamente a alguns anos, o post se venha a revelar demasiado longo, o que me poderá obrigar a dividi-lo em várias partes. A seu tempo veremos se tal acontece.

Sempre que se justifique irei destacar, em "notas de rodapé", o que relevo como mais positivo e mais negativo no período temporal abordado em cada post.

Dado que, em 1997, quando completei 25 anos de carreira, publiquei um pequeno opúsculo com o título "25 anos magicando..." pode ser visto como pouco criativo o título que adoptei para este blogue... Pouco criativo, mas lógico! 

Sejam, portanto, bem-vindos ao meu MEIO SÉCULO MAGICANDO...