Seguramente que, por mais eventos ilusionísticos relevantes que este ano (1974) tivesse tido, não poderia deixar de referir o 25 de Abril (Revolução dos Cravos) como o evento mais mágico do ano. Naturalmente que afectou a vida de todo o povo português. As alterações que vieram a ser introduzidas na sociedade portuguesa permitiram aos mágicos outra possibilidade de contacto com o estrangeiro, nomeadamente no que se refere à aquisição de material e livros (as explicações em videocassetes e DVD's ainda pertenciam à ficção científica da época)
Foi precisamente, em Junho deste ano que adquiri um livrinho (Dai Vernon's Symphony of the Rings) a partir do qual aprendi a técnica de uma rotina de Argolas Chinesas que, essencialmente, é a mesma que, hoje em dia, ainda apresento. Aprender a partir da leitura de texto com apoio em fotografias é substancialmente diferente de aprender a partir de videos, mas permite obter uma manuseamento dos objectos (neste caso, das argolas) que difere dos "maneirismos" do professor ("pun intended" para mágicos).
Foi durante este ano que tive a minha primeira experiência de "mágico profissional", ao realizar actuações iguais, em dias consecutivos, para públicos diferentes e em locais tão "especiais" como um castelo ou as escadarias frontais de uma Câmara Municipal. Foi uma digressão por terras transmontanas integrado no elenco artístico da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho), organismo que viria a dar lugar ao INATEL (Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres). Era uma digressão que estava programada com a participação de JOFERK, que não a concretizou por um bom motivo: ficar "à espera da cegonha" que lhe trazia a filha Raquel.
Mesmo sendo uma digressão curta, deu para ter uma pequena ideia do grau de perfeição que um profissional pode atingir quando executa, diariamente, a mesma rotina mágica, a qual vai "polindo" com a experiência de cometer pequenos erros e de os solucionar.
Perto do final do ano o CIF organizou o 3º ENCONTRO NACIONAL DE ILUSIONISMO, o qual teve dois convidados estrangeiros de peso: JUAN TAMARIZ e EBERHARD LIEBENOW. As respectivas actuações e conferências foram muito bem recebidas e trouxeram aos mágicos portugueses muitos ensinamentos. A magia com fichas de jogo (apresentada por Liebenow) viria a ser parte integrante de muitas das minhas rotinas de close-up (nessa época eu ainda não tinha introduzido o termo Magia de Proximidade para designar o que, internacionalmente, é conhecido como Close-up Magic) e começar a perceber a teoria com que Tamariz suportava as suas apresentações foi muito importante para entender que a Magia ia muito mais além do que o truque bem executado.
Embora não viesse com o estatuto de convidado, um outro mágico espanhol de elevada qualidade acompanhou Tamariz na sua deslocação ao Porto: Juan Antón. As suas actuações de improviso fizeram as delícias de quem a elas assistiu. Antón era um comunicador nato e tinha um enorme sentido de humor e (relembro) tinha sido o parceiro de Tamariz na formação da dupla LOS MANCOS que, no Congresso FISM de 1970 (Amesterdão), havia conquistado o 2º lugar no Concurso de Micromagia. Seguidamente deixo um video em que Juan Antón executa a sua rotina pessoal de covilhetes.
Além das Notas de Conferência, Tamariz trouxe para venda dois livros de que era autor e que pertenciam à colecção "Monografias Mágicas Misdirection" publicada pela Editorial CYMYS. A qualidade mágica de tais publicações, abriu-me o apetite para outras publicações mágicas da mesma editora, pelo que, de imediato, enviei carta à Editorial CYMYS a solicitar toda a informação disponível sobre tal matéria. Na sequência de tal resposta iria adquirir (no início de 1975) vários livros dos quais destaco os dois volumes de MAGIA DE CERCA da autoria de Lewis Ganson.
No âmbito do 3ª ENCONTRO NACIONAL DE ILUSIONISMO integrei o elenco do espectáculo "Noite de Magia", realizado no Salão Nobre do Clube Fenianos Portuenses na noite de 2 de Novembro. No programa que apresentei estava incluída uma rotina de corda e argola que servia de introdução a uma rotina mágica com três argolas. No dia seguinte realizou-se um almoço informal com vários mágicos num restaurante da zona ribeirinha do Porto. Enquanto esperávamos no exterior que preparassem uma mesa apropriada para o convívio gastronómico que se ia seguir, LIEBENOW abeirou-se de mim e perguntou se lhe poderia ensinar um dos passes da minha rotina de corda e argola que vira na noite anterior. Dado que ainda tinha o material do espectáculo na mala do carro (o qual estava ali mesmo estacionado com o "ovo estrelado" à vista), imediatamente fui buscar a corda e argola necessárias para proceder a tal demonstração/ensinamento. É precisamente esse momento que a fotografia seguinte documenta e onde se pode ver que, além de LIEBENOW, também a MARGOT e o JOFERK seguem atentamente a minha explicação.
NOTAS DE RODAPÉ
1 comentário:
Nesse época vestiam todos de forma muito elegante as calças à boca de sino. E que boca... era do tamanho sapato.
Destaco que no programa do 3º Encontro Nacional de Ilusionismo houve um período dedicado ao debate dos interesses da classe. Tal ponto do programa demonstra que desde logo havia um interesse corporativista, de desenvolvimento do meio que ia muito para alem dos interesses individuais.
Tenho cá para mim que esta preocupação se perdeu algures no tempo, deixou de haver um interesse da classe, passando a existir o interesse do próprio. São sinais dos tempos em que o associativismo anda pelas "ruas da amargura", tempos modernos dirão alguns.
Enviar um comentário