sábado, 15 de janeiro de 2022

1972 - ANO ZERO


O PRIMEIRO PASSO

Até 1972  apenas os familiares e amigos próximos eram os privilegiados com o desfrutar das minhas exibições, ou, dito de outra forma, apenas eles tinham que “gramar” a exibição das minhas aptidões(?) mágicas. Mas eis que surge a minha grande oportunidade: a actuação num espectáculo a valer: a Récita dos Finalistas do Liceus D. Manuel II e Carolina Michaëlis. 

Já em anos anteriores tinha havido actuações, ditas, mágicas, mas, de acordo com o que me foi transmitido nessa altura, não tinham passado de tentativas burlescas com objectivos de paródia estudantil. Tal situação jogava, duplamente, a favor da minha actuação. Por um lado os espectadores estariam à espera de mais uma paródia estudantil e seriam mais facilmente ilusionados. Por outro lado, se algo corresse desastradamente, a minha exibição seria enquadrada nos parâmetros da habitual irreverência dos estudantes e a minha carreira como mágico estaria terminada antes mesmo de começar. 

Adoptei, desde logo, como nome artístico aquele que ainda hoje utilizo: JOMAGUY. No entanto não fui suficientemente expedito a comunicá-lo à organização pelo que no programa apareceu, para minha mágoa, o nome pelo qual era conhecido no Liceu: Guimarães. 

Pelo que foi exposto quanto ao enquadramento da minha actuação é fácil concluir que, na noite de 26 de Fevereiro de 1972, quando pisei o palco do anfiteatro do Liceu D. Manuel II para actuar, estava sem ponta de nervosismo, o que, obviamente, contribuiu para uma prestação à qual foram tecidos os mais rasgados encómios... pelos amigos e familiares presentes. A foto seguinte corresponde a um dos momentos dessa actuação.

A DESCOBERTA DO MUNDO DA MAGIA

Como a Récita era conjunta com o Liceu Carolina Michaëlis, no sábado seguinte (4 de Março), repeti a actuação no ginásio/teatro daquele estabelecimento de ensino. Foi aí que conheci, pessoalmente, um ilusionista: Renato Caldevilla (RENÉ). Ele tinha sido alertado pela neta, que frequentava o Carolina, para a presença dum ilusionista no elenco do programa e foi assistir ao espectáculo. No final do mesmo procurou-me e, depois de tecer alguns elogios à minha prestação mágica, convidou-me a aparecer um dia no CIF, dando-me para tal o seu contacto telefónico. Foi ele o responsável pela transmissão ao Cardinal dos dados que proporcionaram que uma notícia a meu respeito aparecesse, em 12 de Março de 1972, na secção MAGIA do JN.

Depois dessa auspiciosa estreia interrogava-me a mim mesmo quanto ao aparecimento de novas oportunidades de exibição pública, quando fui convidado para participar num espectáculo de beneficiência a realizar no Salão Paroquial de Nossa Srª da Conceição, em 20 de Maio de 1972. Claro que, de imediato, aceitei. 

Esse espectáculo que, inicialmente, estava previsto ser integrado, apenas, por artistas amadores principiantes, acabou por registar a presença de vários artistas consagrados, entre os quais aquele ilusionista que era o meu ídolo: JOFERK. Imaginem os sentimentos contraditórios que então me invadiram: por um lado o júbilo de ir conhecer, pessoalmente, aquele mágico que considerava como modelo de referência e por outro lado o receio de ver a minha actuação menos apreciada ao estar sujeita a comparação com tão excelente ilusionista. 

Como era habitual no final de tal tipo de espectáculo houve um convívio entre os artistas intervenientes e foi aí que me apaixonei pelo... close-up. Foi decididamente um caso de amor à primeira vista fruto de uma impecável exibição informal de JOFERK, de que ainda recordo o “Chop Cup” e a “Carta Polaroid”. O que aí presenciei em cartomagia nada tinha a ver com a maioria dos truques de cartas (enfadonhos, devo referir) que, até essa altura, se haviam cruzado comigo nas minhas leituras mágicas. Também o JOFERK me convidou a aparecer no CIF, depois de passar o Verão.

Resta acrescentar que o meu primeiro encontro pessoal com JOFERK foi fruto do acaso, pois os ilusionistas previstos para tal espectáculo eram EDGAR e DE ROCK, conforme mostra o programa impresso, que o Coimbra teve a preocupação de rectificar pelo seu próprio punho.


A INTEGRAÇÃO NO UNIVERSO DO ILUSIONISMO

A partir do último trimestre de 1972, sempre que os estudos permitiam, aparecia nos Fenianos e na respectiva "filial" de Mouzinho da Silveira: A Fogueira das Meias. Comecei aí uma fase de descoberta do Ilusionismo e aprendizagem constante em que o contributo do Coimbra foi, como sempre reconheci, fundamental. E até foi ele que me proporcionou a hipótese de realizar o meu primeiro espectáculo remunerado: uma festa de Natal que ele não pode aceitar por ter outra à mesma hora.

Em Dezembro de 1972 estreou no Teatro Sá da Bandeira (Porto) um grande espectáculo mágico (intitulado FESTIVAL INTERNACIONAL DE MAGIA) cujo cabeça de cartaz era RICHIARDI Jr. (Nota: este espectáculo havia sido estreado em Lisboa, com um elenco diferente, e aqui e aqui podem ver-se duas reportagens diferentes do mesmo, com a particularidade de, numa delas, se poder apreciar uma parte da actuação do saudoso mágico português HORCAR; a imagem do programa autografado por RICHIARDI Jr. corresponde ao espectáculo de Lisboa). Foi o primeiro grande espectáculo mágico que tive oportunidade de assistir ao vivo. Fi-lo na companhia de diversos mágicos portuenses. Começou aí a minha integração na comunidade mágica portuguesa. No final do espectáculo estivemos nos bastidores com RICHIARDI Jr.. Este foi, naturalmente, um convívio breve, o qual seria complementado, dias mais tarde, com um convívio mais alargado à roda de uma mesa de um conhecido restaurante de Lavadores.

Quando acima citei o nome HORCAR, não pude deixar de me lembrar de uma coincidência entre os nossos percursos mágicos: tal como eu, também ele se apresentou pela primeira vez em público na Festa de Finalistas do 7º ano do Liceu.

NOTAS DE RODAPÉ

Nota de sinal + : O início da amizade com Fernando Coimbra "JOFERK".
Nota de sinal + : A descoberta da magia de close-up.
Nota de sinal + : O espectáculo de RICHIARDI Jr..
Nota de sinal + : O meu primeiro espectáculo remunerado.
Nota de sinal - : A existência de "ídolos com pés de barro" (Ver aqui).

POST SCRIPTUM

Após a publicação deste post detectei a ausência do nome de HORCAR no programa do espectáculo. Tal ficou a dever-se ao facto de HORCAR ter sido uma contratação de última hora para substituir um artista que não pode comparecer.


1 comentário:

Rui Morgado disse...

Parabéns pela iniciativa. Para além da história pessoal está muito bem documentado com ligações para outros momentos importantes da história do ilusionismo português. A história do ilusionismo nunca teve em Portugal o devido destaque, poucas pessoas se interessam verdadeiramente pelo legado e a preservação da memória é muito importante para as futuras gerações. Investigar o passado e perpetuá-lo é respeitar todos os que o construíram o presente.
Por outro lado, numa época em que no meio nacional proliferam os "mágicos paridos na internet" que aprendem no "Dr. Youtube", é relevante que esteja também na internet, não só a explicação dos "truques" mas toda a envolvente social desta arte.
Venham mais crónicas.
Forte abraço.