sábado, 8 de janeiro de 2022

PRÉ-HISTÓRIA MÁGICA, DESPERTAR E AUTODIDATISMO


A MINHA PRÉ-HISTÓRIA MÁGICA

Relembro a excitação que sempre me causavam, na minha infância, as idas ao circo na companhia dos meus Pais. Mais do que as actuações dos palhaços eram as prestações dos mágicos que mereciam a minha preferência. Ainda hoje retenho a imagem de um desses mágicos, vestido de branco, produzindo cigarros atrás de cigarros. Quem seria?

Mais tarde relembro um espectáculo de circo e variedades, realizado no Cine-Teatro Vale Formoso, em que o apresentador, depois de realizar a sua actuação de mágico, fez desaparecer uma garrafa de vinho e alguns chocolates numa das suas caixas mágicas, desafiando a assistência a descobrir o truque. E lá subi ao palco para descobrir a marosca e... ganhar a garrafa e os chocolates. Foi esse o meu primeiro contacto com uma caixa que, mais tarde, viria a saber denominar-se, no meio mágico, como "tip over box".

O DESPERTAR

Em 1967 o Jornal de Notícias publicou uma série (em minha opinião, curta) de 14 artigos designada «FAÇA VOCÊ TAMBÉM DE MÁGICO!», que recortei (e ainda hoje conservo), li e reli vezes sem conta, onde aprendi alguns truques, que fui praticando entre familiares e amigos, alimentando, ainda que de forma ténue, um "bichinho" que um dia iria desenvolver-se.


Em Dezembro de 1969 iniciou-se a publicação regular dominical da secção MAGIA (da autoria de Cardinal), no Jornal de Notícias, que, igualmente, recortei e li, embora ficasse, nessa altura, desiludido com a pouca profusão no que se referia a explicação de truques. Mas foi através da leitura dessa rubrica que tomei conhecimento da actividade da Academia Portuguesa de Ilusionismo (API), nessa altura já a cargo de José Carlos Martins Oliveira, pois o pai já havia falecido. Depois dos primeiros contactos escritos com a API, como resposta a um desafio publicitado nas páginas do JN (“Tabuleiro de Damas”), e dum posterior contacto telefónico desloquei-me à respectiva sede (Campo Mártires da Pátria, 27-1º) e adquiri o meu primeiro conjunto de material, pode dizer-se, profissional.

Igualmente, através da MAGIA do JN, tomei conhecimento da existência do Clube Ilusionista Fenianos, mas a ausência de um estímulo directo para o contacto a par de alguma timidez natural inibiu-me de dar o primeiro passo de aproximação. 

Antes mesmo desse contacto com a API já havia descoberto que a Livraria Bertrand tinha alguns livros de Ilusionismo à venda, cuja aquisição comecei a fazer, na medida das minhas possibilidades. Esta busca de livros de Ilusionismo levou-me ao contacto, entre outros, com os livros de Martins Oliveira (o meu primeiro livro de Ilusionismo foi MAGIA DO SÉC. XX, adquirido em 25 de Junho de 1970). O estilo desse prolífero autor, com a permanente referência a círculos restritos de amadores seleccionados, despertou em mim a vontade inequívoca de aprender sempre mais, imaginando o dia em que atingiria o grau necessário para ingressar nessa classe de elite. Nessa aprendizagem os truques de cartas eram, sistematicamente, postos de lado pois ou os achava enfadonhos pela demora da respectiva execução ou de pouca ilusão, face aos princípios matemáticos envolvidos, cuja existência me parecia de fácil detecção pelos espectadores. 

Foi, igualmente, na Livraria Bertrand que descobri os livros de magia de língua espanhola da autoria do Padre Wenceslao Ciuró. "Ilusionismo Elemental" foi o primeiro livro que adquiri deste autor e foi, provavelmente, o livro de magia que mais vezes reli nos anos que se seguiram.

AUTODIDACTISMO

Passei então por uma fase (1970/1971) de constante procura de livros e de espectáculos em que actuassem ilusionistas. Começava nessa época a ter uma certa atitude crítica em relação às actuações dos ilusionistas, ditos de circo (sem desprimor por quem quer que seja que alguma vez tenha integrado tais elencos), pois me pareciam, de uma forma geral, bastante repetitivos. Retenho, no entanto, como excepções, os casos de Conde D’Aguilar (pela sua impecável apresentação) e de D. Aguinaldo (pela surpresa e ineditismo dos seus números). 

Aos domingos de manhã, no Porto, havia um espectáculo de variedades chamado Festival que, infelizmente para o meu desejo, não era tão variado assim, pois não apresentava Ilusionismo. Mas eis que surgiu um programa similar, mas suficientemente abrangente e (porque não dizer?) inovador para o panorama artístico da época a ponto de incluir ilusionistas no respectivo elenco: foi o programa Pica-Pau. Infelizmente, para meu desencanto, durou pouco tempo esse projecto. Creio que não falhei a presença num único desses espectáculos, onde tive oportunidade de apreciar algumas actuações que me maravilharam, até porque fugiam do figurino habitual das actuações de circo. Foi, nesse programa, que adoptei o meu primeiro ídolo no âmbito do Ilusionismo. Adivinham de quem se tratava? Se responderam JOFERK, acertaram.

Para além de assistir às actuações dos ilusionistas, procurava, nessa época, descobrir como eles executavam os truques e fabricar o material necessário para os mesmos, nuns casos com sucesso, noutros, nem por isso. Por vezes, quando tal fabrico exigia aptidões de costura que, obviamente, não possuía, recorria aos serviços de uma costureira que, ocasionalmente, trabalhava lá em casa em prejuízo dos arranjos de roupa para cuja execução era contratada pela minha mãe. Ainda hoje conservo um lenço de pintas e um saco-galinha fabricados nessa época. Tal processo de aprendizagem conduziu-me, naturalmente, para efeitos de magia de palco. A magia de close-up permanecia como uma pérola por descobrir.

NOTAS DE RODAPÉ
Nota de sinal + : A descoberta dos livros do Padre Wenceslao Ciuró.
Nota de sinal - : O encerramento da Academia Portuguesa de Ilusionismo.

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